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Noticias de Mocambique 75, (03/31/'96)

Noticias de Mocambique 75, (03/31/'96)

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NotMoc - Noticias de Mocambique No 75          31 de Marco de 1996            
     Maputo 
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Aos leitores:

A Redaccao do NotMoc continua com problemas de falta de tempo para manter a regularidade semanal desejada. As vezes anunciamos que no proximo numero falaremos disto e daquilo, assuntos que gostavamos de comentar mas que ficaram no tinteiro por falta de tempo para escrever. Eh o caso dos "chimuenjes" anunciados na edicao passada, e da continuacao dos casos das drogas. Provavelmente, os proximos numeros nao poderao manter as seccoes habituais Noticias gerais - Curtas e Desportivas, e serao dedicados a tratar soh um o dois assuntos de cada vez, duma forma mais aprofundada.

O mailserver automatico do CIUEM ainda estah a ser testado. A lista de distribuicao continua a ser processada manualmente, a partir do habitual endereco <wenke@adam.uem.mz>.

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O numero 75 do NotMoc estah dedicado a analise de questoes relacionadas com a Religiao e o poder em Mocambique. Este numero foi eaborado especialmente por Yussuf Adam e Eric Morier Genoud, com um comentario final de Wenke Adam, e contem as seguintes seccoes:

1. Introducao: Os Ides e o contexto religioso 2. A Lei dos Feriados Islamicos 3. As Reaccoes e Posicoes
O Arcebispo e os catolicos D. Dinis e as Igrejas Protestantes Chissano e a FRELIMO PIMO e os muculmanos A imprensa 4. Religiao e Poder no Pos-Independencia 5. Liberdades de crenca e de culto 6. A necessidade de analises cientificas
Le Fait Missionaire, Eduardo Mondlane 7. Outras implicacoes


1. INTRODUCAO: OS IDES E O CONTEXTO RELIGIOSO

A Assembleia da Republica discutiu e aprovou uma lei que consagra as duas datas religiosas islamicas mais importantes - o Id ul Adha e o Id ul Fitre como feriados nacionais. Estas datas jah eram consagradas como tolerancia de ponto em Mocambique.

Os Ides passaram a ser objecto de "tolerancia de ponto" e de apoio mais marcado no fim do periodo colonial com as presencas do governador geral na mesquita onde se realizavam as celebracoes do Ide. Razoes deste comportamento? Dar uma ideia de tolerancia religiosa, de captar para o seu lado os apoios islamicos que a FRELIMO captava nos foruns internacionais.

O Islam era seguido de perto pelo estado colonial e pela PIDE. Os primeiros nucleos nacionalistas a serem perseguidos mesmo antes do Massacre de Mueda em Cabo Delgado eram os islamicos pois seguiam a Radio Cairo, falavam em Nasser e na libertacao.

No pos-Independencia a postura do novo estado era contraditoria em relacao ao Islam. Se por um lado nacionalizou bens e instalacoes e coartou actividades de propagacao e formacao - as madrassas - encontrou no Islam uma forca social que defendia a Independencia, que nao alinhava com os catolicos.

Apesar de boa, esta relacao Estado pos-colonial ou Republica Popular de Mocambique com o Islam foi contraditoria:
- Nalguns locais a propaganda de alguns dirigentes da FRELIMO que todos deviam criar porcos porque dava dinheiro, sobretudo em Cabo Delgado, alimentou uma oposicao massiva contra a FRELIMO;
- Soldados que professavamo Islamm foram obrigados a comer carne de porco;
- O estado entrou em jogos de poder em diferentes organizacoes muculmanas para tentar ganhar mais apoio ou seja ter organizacoes mais colaboradoras com o estado.

A mudanca radical de posicao do estado em relacao ao Islam da- se com o melhoramento geral das relacoes estado-instituticoes religiosas na decada 80. Diferente organizacoes muculmanas ajudam o estado a aderir a organizacoes humanitarias e a bancos de desenvolvimento islamicos. Porem, a mudanca da Republica Popular em Republica e o estabelecimento de um estado pluri-partidario veem marcar o passo do melhoramento. Muculmanos sao inseridos nas listas da FRELIMO como muculmanos e mesmo durante as negociacoes do AGT em Roma ha uma delagacao presente. O chefe de uma das comissoes resultantes do AGT eh o presidente da Comunidade Mahometana Indiana, o Sr. Abdul Aziz Osman Latif. Subsequemente Mocambique torna-se membro da Conferencia Islamica e comenca receber apoios de organizacoes financeiras internacionais dominadas por paises islamicos - o BAD, o Fundo do Koweit, etc... .

A Lei dos IDES e feita num contexto interessante. Mas primeiro temos que notar que:

- A proposta e feita por um grupo de deputados da FRELIMO, da RENAMO e da UD, portanto e uma proposta consensual. Talvez uma das poucas propostas de lei que uniu delegados das tres bancadas.
- A oposicao a lei surge somente das bancadas da RENAMO e da UD. A FRELIMO apoia a lei em bloco.
- A Igreja Catolica comeca a gritar aqui-del-Rei que "a AR nao tem autoridade para tratar de assuntos religiosos", "nao sao os nossos teologos".
- Os orgaos de informacao vem na aprovacao dos Ides a negacao do principio do estado laico e ainda mais um possivel primeiro passo para uma guerra de religioes... Sem contar que os feriados vao custar alguns milhoes cada a economia nacional, em perdas de producao...

Onde estamos? Conflito religioso, politico ou economico? De tudo um pouco de certeza:

O contexto eh politico, e mais do que com conspiracoes de petrodolares ou de fundamentalistas islamicos, o papao muito mexido num pais onde o islam para a maioria dos seus praticantes tem um forte sabor a terra, ele tem a ver com a relacao entre as igrejas cristas e o islam, ao mesmo tempo que tem a ver com a relacao que o estado tem com cada denominacao religiosa. Por isso nao fica surpreendente que saia mais barulho da parte de alguns membros da hierarquia da Igreja Catolica que sempre gozaram de uma hegomonia derivada do casamento da sua igreja com o estado colonial e da sua accao como ideologia de legitimacao desse estado. Pois nao eh a primeira vez que o Arcebispo de Maputo D Alexandre se mexe com medo do Islam. Sempre que uma delegacao islamica era recebida por um ministro do governo D. Alexandre fazia-lhe saber que ele como catolico, se bem que de pais muculmanos, tinha que saber que estava a receber fundamentalistas.


2. O CONTEXTO

O tom que o debate sobre os Ides alcancou tem a ver com o mapa religioso de Mocambique actual.

Dum lado, a Igreja Catolica que estava confinada ao seu casamento com o estado tem vindo a perder forca e posicoes.
Primeiro, ha falta de quadros, houve uma reducao de meios financeiros e a igreja estah confrontada com divisoes internas.
Segundo, a igreja estah confrontada a nivel do pais com a competicao das outras denominacoes que progressam significativamente, alem das novas seitas como a IURD (Igreja Universal do Reino de Deus, de proveniencia brasileira) que ganham terreno nas cidades que tradicionalmente sao das igrejas estabelecidas. Os Protestantes estao a estabelecer-se seriamente no norte do pais (Niassa, Nampula, Cabo Delgado) enquanto os muculmanos estao a descer para o sul e instalar-se nos distritos das provincias de Inhambane e Gaza.

Os catolicos estao a perder terreno, dai o medo de ver a sua reconhecida hegemonia metida em causa a favor duma outra denominacao. Sobretudo a favor do seu inimigo tradicional, o islam. Pois o jogo eh nacional mas eh tambem internacional. Nao pode esquecer-se que Mocambique eh no mapa mundial, uma linha de fractura entre o islao e o cristianismo e, por isso mesmo, um terreno de alta competicao entre estas duas mais numerosas religioes do mundo.


O conflito eh entre as confissoes, e passa pelo estado. As aliancas com o estado sao um dos meios para conseguir os seus fins. Mas claro, o estado tem o jogo dele tambem. Neste caso, fala-se da Frelimo tentar conseguir apoios nas zonas muculmanas do Norte onde a Renamo gozou de muito supporte durante as eleicoes. Tambem fala- se de aliancas economicas entre grupos do estado e grupos economicos muculmanos, alias aliancas economicas...


3. AS REACCOES E POSICOES

A reaccoes foram numa primeira fase muita emotivas. O Cardeal Dom Alexandro diz que "em breve o nosso pais vai viver turbulencia religiosas identica a que se vive hoje na Nigeria, no Uganda ou na Tanzania" (Noticias 06/03/96). O mediaFAX (05/03/96) do seu lado falou de 'destabilizacao' e de 'divisionismo' e dias depois pediu nada menos que uma 'desobediencia civil' contra os feriados (08/03/96). O chefe da bancada da RENAMO, Raul Domingo, diz ele simplesmente que os feriados eram 'inconstitucionais'!

As posicoes que se desenharam depois das primeiras emocoes foram as seguintes:

- A Igreja catolica pede a anulacao da lei dos feriados e diz que quer voltar a situacao antes quo. O Cardeal afirma que deve-se "manter a situacao existente. Cada religiao celebra a sua festa e cada religia tem o seu dia em que o governo concede ou tolerancia de ponto ou descanso e nao obriga todo o povo a seguir a lei." (Domingo 10/03/96) O bispo de Quelimane diz a mesma coisa e afirma que "seria bom deixar as coisas como estao nesse campo e olharmos para o trabalho, aproveitando da melhor forma o tempo util." (Noticias 07/03/96).

- As igrejas protestantes defendem uma posicao igual aquela dos catolicos. Ainda mais -- unidos como cristaos contra muculmanos? -- defendem a sua posicao em conjunto com os catolicos. Lucas Amos, o Presidente do Conselho Cristao de Mocambique (CCM) escreveu uma carta com o Cardeal de Maputo ao Presidente da Assembleia da Republica a pedir a anulacao da lei e o retorno as tolerancias de pontos que ate agora tinham assegurados uma armonia entre as religioes (MediaFAX 13/03/96).

- Perante tanta confusao, o Presidente da Republica diz ficar abalado: "Na altura [da elaboracao da lei] tudo parecia pacifico porque nao havia sinais de nenhum quadrante que indicasse caso de alarme na aprovacao do documento" (MediaFAX 13/03/96). O PR recusa ainda tomar posicao, mas diz que para ele o assunto ate agora tinha sido meramente pratico: "[os dias para feriados] sao dias que tem tolerancia de pontos sistematicos.(...) Para mim era uma maneira de se dizer, ponto, nesses dias nao se trabalha." (ibidem) Visto a situacao, o PR diz que agora prefere deixar avancar a discussao para poder tomar mais logo uma decisao sobre o assunto 'com conhecimento da causa'. E, entretento, o PR aceitou fazer uma reuniao urgente com o Cardeal de Maputo e dirigentes do CCM e tambem marcou para a semana uma reuniao (extraordinaria) com todas as confissoes religiosas.

- De regra geral, os feriados fizeram a unanimidade entre os muculmanos. Apenas nota-se alguma discordancia daqueles que nao tem sido consultados e que por isso se sentem marginalisados. Fica entao so o presidente do PIMO para, entre os muculmanos, discordar. Yacub Sibindi comprou duas paginas no SAVANA (08/03/96) para dizer que nao concordava com a lei dos feriados pois esta eh inconstitucional. Tudo isso nao mais nada mais do que uma provavel tentativa por parte da FRELIMO para enganar os muculmanos, diz o Yacub. Conclua ele: "Atirar com o IDE na cara dos muculmanos como feriado nacional eh semelhante a atirar um osso a um cao faminto. Isso nao eh respeito, apesar de o cao necessita do osso". A posicao do PIMO parece ser finalmente do 'tudo ou nada'. Isso pus por acaso muito medo a alguns cristaos que veem assim confirmados os receios deles sobre a transformacao do estado mocambicano num estado islamico.

-Finalmente a imprensa dividiu-se como sempre entre a imprensa independente e a do estado. Enquanto esta ultima de repente fazia jornalismo a serio e evitava tomar posicao, o MediaFAX e o IMAPRCIAL discordavam com os feriados. O IMPARCIAL receia que aparecem 'grandes conflitos religiosos' depois da aprovacao a lei. O MediaFAX do seu lado grita contra a fim do estado laico e o precedente que a lei pode abrir com todas as consequencias que isso pode trazer. O jornal ateh fez calculos sobre quanto e que ia custar os feriados a economia mocambicana: 5 milioes cada dia! (MediaFAX 14/03/96). O Bilal (jornal muculmano que finalmente voltou com o Ide a ser publicado) ve, claro, a lei como uma coisa positiva. Alias, eh "uma revolucao impar na Historia do Islam em Mocambique, no periodo pos-independencia."! (19/03/96).


4. RELIGIAO E PODER NO POS-INDEPENDENCIA

A relacao entre os nacionalistas mocambicanos que tomaram o poder com a Independencia e a religiao, desenvolveu-se num contexto de conflitualidade. Para compreender a historia da evolucao desta relacao eh obrigatorio abandonar as versoes contadas por cada um dos lados.

Os nacionalistas integrados na FRELIMO viam a Igreja Catolica nao como um bloco distinguindo entre individuos (Cesare Bertulli, Padre Vicente, Jose Maria Lerchundi, Padre Paul, Maganhela) e as instituicoes. Dentro das instituicoes religiosas cristas a que era vista como parte do estado colonial portugues e o seu aparelho ideologico era a Igreja Catolica e sobretudo a sua hierarquia. A ideologia do movimento de libertacao, a sua defesa da luta contra a exploracao do homem pelo homem e a sua critica do capitalismo, a sua defesa do materialismo e as ideias marxistas, eram utilizadas pela Igreja no contexto da sua cruzada anti-comunista.

O conflito entre os novos detentores do poder de estado e as instituicoes religiosas da-se num quadro de uma luta pelo poder. A FRELIMO considerava que sendo o representante legitimo de todo o povo nao admitia desafios as suas leis e orientacoes.

A relacao entre as instituicoes religiosas e o estado em Mocambique podem se dividir em tres grandes epocas depois da Independencia.

Primeiro houve o periodo que vai ateh 1980-82: o Estado socialista tentou submeter as instituticoes religiosas ao seu poder. Aqueles que nao queriam nem um pouco se submeter ao Estado foram deportados com eh o caso agora famoso dos Testemunhas de Jehovah. Aqueles que o desafiaram abertamente organizando celulas e campanhas anti-comunistas como certas Igrejas protestantes ligadas aos EUA, foram presos. Aos outros foram-lhes tirado os bens que faziam a sua forca, isso eh, o Estado nacionalizou as obras sociais das igrejas e das organizacoes religiosas. Alem disso a Frelimo fez campanhas contra a religiao e assim marginalizou os crentes. No III Congresso, o crentes foram mesmo impedidos de ficar no Partido. Muitas igrejas protestantes nao se importaram muito, pensando em Calvino e a separacao entre Estado e as Igrejas. Mais, algumas igrejas ficaram satisfeitas com as nacionalizacoes que lhe- tiraram um peso financieiro. Mas a Igreja Catolica caiu de alto com a Independecia e ela tambem nao aceitou a nova situacao. Condenou publicamente as deportacoes e os campos de reeducacao e, preveniente, muitas vezes se organisou desde o inicio a resistir ao que podia chegar. Construindo em cima das primeiras reformas feitas para o Vaticano II e iniciadas antes da Independencia, a Igreja disseminou o seu poder e organizou-se em celulas chamadas 'comunidades'. No mesmo ano que o III Congresso da Frelimo teve lugar, a Igreja catolica foi oficializar e generalisar esta nova forma de instituicao chamada 'Igreja ministerial'. Claro, a Frelimo nao gostou. Entrou num braco de ferro para o qual fechou todas as igrejas pertas dum centro de saude, duma escola ou dum centro de producao, isso eh fechou principalmente as igrejas de missao que sao predominante na igreja catolica. A situacao porem nao deu certo para a Frelimo. A situacao economica, o reinicio da Renamo, e sua vontade de virar-se para o mundo occidental para obter dinheiro, obrigaram-lha a baixar a sua pressao sobre as igrejas.

O segundo periodo comenca precisamente lah. Pode-se dar a data de 1982 quando ocorreu a agora famosa reuniao ente o Estado e as confissoes religiosas. A Frelimo comenca entao a baixar a sua 'pressao' sobre as instituticoes religiosas, mas vai negociando, e manipulando ainda mais. Tentou negociar o retorno a uma situacao normal, depois a devolucao dum certo poder e dalgum bem nacionalizado, contra varias ventagens para ele que vao do suporte que a igrejas podiam dar ao estado -- em outras palavras, a cooptacao -- a acordos com organizacoes financieiras ou humanitarias internacionais ligadas as igrejas. Enquanto o Presidente do CCM eh nomeado para a presidencia da Cruz Vermelha, alguns muculmanos sao mandado para Arabia e outras terras muculmanas para tentar conseguir apoios fraternais [sic]. Em 1988, quando finalmente o Papa concorda vir a Mocambique, o estado concorda em devolver -em principio- todos os bens nacionalizados aa igreja catolica.

A terceira epoca comenca com o multipartidarismo, a abertura que o estado fez assim e finalmente os accordos de paz. Primeiro o multipartidarismo e a abertura social que a Frelimo deu desde 1989 permeteu as igrejas voltar abertamente a o seu papel social e assim reganhar forca. A organizacoes reigiosas desceram nas ruas de Maputo para pedir a paz, e quando esta chegou trabalhou para a assegurar com varios projectos sociais de reintegracao e pacificacao. Mas a paz de verdade abriu mais ainda. Reabriu a possibilidade das organizacoes religiosas fazer proselitismo. Enquanto a igreja catolica tentava reabrir as suas missoes deixadas durante a guerra, as Igrejas Protestantes se lancavam para o norte do pais (e ainda mais para os distritos do norte) para continuar e consolidar o que tinha sido comencado depois da Independecia, principalmente nas cidades. As organizacoes muculmanas comecaram a entrar tambem para os distritos, e ainda mais para novos distritos no Sul do pais. As instituicoes abriam igrejas, as organizacoes humanitarias religiosas apoiam os necessitados no seu restabelecimento. A competicao nao eh assim aberta nem tem forma aberta, mas no tereno ve-se a progressao de cada igreja, as estrategias de cada uma e a logica de conquista que se reflete na sua actuacao...

O reconhecimento dos Ides como feriados nacionais tem um significado mais largo do que o da relacao entre o Islam e o Estado ou entre o Islam e a FRELIMO. Marca a perda da hegemonia da Igreja catolica que vinha tentando reganhar o seu estatuto anterior. E para o Islam qual o significado da sua relacao com o estado? Um reconhecimento legal a par das outras religioes. As maiores modificacoes verificam-se na religiao entre o Islam e a FRELIMO, o partido no poder. A FRELIMO forjou uma alianca politica que certamente lhe poderah dar dividendos em futuras eleicoes e sobretudo nas proximas eleicoes autarquicas. Nas eleicoes de 1993 as zonas islamizadas votaram maioritariamente contra a FRELIMO.


5. LIBERDADE DE CRENCAS E DE CULTO

Se a aprovacao da Lei dos Ides como Feriados marca uma mudanca na relacao do Estado e da FRELIMO em relacao ao Islam, e de certa forma consolida a liberdade de religiao retirando aa Igreja Catolica a posicao de quase hegemonia, a liberdade de crencas e de cultos em Mocambique ainda tem muito a andar.

As religioes ditas naturais sao praticamente consideradas como religioes de segunda categoria, comungando o estado da doutrina de que o monoteismo e uma forma de religiao superior. Uma concepcao deste tipo penaliza a maioria da populacao que de uma forma ou outra pratica religioes que transformam em Deus os seus antepassados, animais, arvores ou outros seres.

As chamadas "grandes religioes monoteistas" veem assim a sua actividade de proselitismo e de destruicao das religioes locais - que deviam ser tratadas ao mesmo plano que as chamadas "grandes religioes do mundo" - sancionadas pelo estado. As cerimonias de invocacao de antepassados -os Mphalos - acabaram por ser praticadas nalhumas cerimonias publicas, mas nao se respeitando os preceitos que os praticantes dessas religioes queriam ver aplicados - por exemplo no Guaza Muthini de 1996.


6. A NECESSIDADE DE ANALISES CIENTIFICAS

O debate na Assembleia da Republica, o debate publico e as intervencoes na imprensa trataram o fenomeno religioso de uma forma ideologica ou vendo-o como parte das relacoes internacionais - aceitar os Ides como feriados como uma vertente da relacao com os bancos e estados islamicos ou como uma contribuicao para a instabilidade etnica e religiosa - incremento da divisao da Nacao.

Vertentes interessantes e justificadas no caso de promulgacao de uma lei e de definicao da atitude do estado e do governo. Abordagens que equacionem o problema da religiao com o poder - a relacao entre diferentes classes e camadas sociais entre si - ajudam tambem a iluminar o problema.

No entanto parece-nos valido encarar a critica da religiao como a critica desse vale de lagrimas que eh o Mundo. Uma leitura deste tipo acabara por revelar fenomenos de subordinacao e subalternizacao/construcao e manutencao de hegemonias e de aliancas para ocupar/contestar o poder.

Estudos interessantes e de grande valor para o entendimento da problematica das religioes em Mocambique estao em curso. A tese de doutoramento de Teresa Cruz e Silva, actualmente na sua fase final de preparacao, iluminarah alguns aspectos da relacao entre a Igreja e o movimento nacionalista em Mocambique. A tese de mestrado de Eroc Morier Genoud, "Cesar e Deus: A relacao estado e religiao em Mocambique" ilumina as agendas em confronto no pos-Independencia. Alf Helgeson na sua tese iluminou varios aspectos das praticas das missoes protestantes em Mocambique.

A revista suica Fait-Missionaire publicou jah uma historia da Missao Suica Romanda em Mocambique. Trata-se de uma base que terah de ser completada pela exploracao das ligacoes entre etica protestante e o movimento nacionalista em Mocambique e as suas praticas no pos-Independencia.

Eduardo Mondlane no seu Lutar por Mocambique ilustra as logicas das ligacoes entre o colonialismo e a igreja catolica.


7. OUTRAS IMPLICACOES

Podemos dar voltas aa questao de porque justamente esta proposta foi uma das primeiras a ser debatidas no inicio da presente Sessao da Assembleia da Republica, quando certamente havera na bicha outros assuntos urgentes da maxima relevancia para a vida do pais. O certo eh que o barulho aa volta da decisao da AR de introduzir os feriados islamicos foi interessante desde varios pontos de vista, entre eles a compreensao publica do papel do parlamento num estado que pretende seguir regras de jogo democraticas: Nas argumentacoes que se cruzaram na imprensa, na radio e nos noticiarios da TVM podia-se ler entre linhas a confusao que provoca nas pessoas o facto da Assembleia ter poder real para legislar. No contexto mocambicano, isto eh uma novidade. Nao se estah a espera de que os deputados (cuja funcao eh precisamente a de ter iniciativa de lei) possam simplesmente apresentar propostas de lei, e que estas, apos ser consideradas positivamente pela maioria dos parlamentarios, sejam aprovadas assim sem mais.

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* Noticias de Mocambique no WWW. NotMoc jah pode ser consultado em diversas paginas do Web. Em Mocambique existe um acesso com o endereco http://www.uem.mz.
Outro endereco que merece destaque eh a "home page" de Nuno Teixeira, em Portugal: http://www.telepac.pt/tvn. Nuno tambem criou um "local de conversa" sobre assuntos ligados a Mocambique: http://www.telepac.pt/tvn/dirhtm/wwwboard/wwwboard.html
A primeira pagina do WWW que tinha NotMoc continua a existir: http://leo.lnec.pt/~lms/NotMoc.
E ainda hah outras, algumas das quais conhecemos apenas porque as encontramos por acaso. Se voce conhece outras, informe-nos. Um exemplo: http://www.geocities.com/TheTropics/1545/notmoc.htm. Assim como o NotMoc eh feito inteiramente por voluntarios, a trans- formacao do jornal em paginas do WWW, em hypertext e muitas vezes com todos os acentos e c-cedilhas que o e-mail nao permite, tambem eh o trabalho de voluntarios dedicados. O nosso agradecimento.

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Fontes: Noticias, MediaFAX, Domingo, Savana, Demos TVM, RM, AIM, LUSA, SAPA, fontes proprias

Este numero de NotMoc - Noticias de Mocambique foi feito por: Yussuf Adam <yussuf@adam.uem.mz> Eric Morier Genoud c/o <yussuf@adam.uem.mz>
(Pesquisa documental, analise e redaccao)

Pedidos de assinatura: wenke@adam.uem.mz Qualquer correspondencia sobre o conteudo deste jornal deve ser dirigida aos autores ou ao endereco wenke@adam.uem.mz

------------------ Message-Id: <199603312346.SAA12673@orion.sas.upenn.edu> From: Wenke Adam <wenke@adam.uem.mz> Date: Mon, 1 Apr 1996 01:34:54 Subject: NotMoc 75

Editor: Ali B. Ali-Dinar

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